Cadê o Abre Alas?. Oswaldo Corrêa da Costa. 2024
“(Essa mostra contém) soluções específicas para o problema de como fazer um retângulo pigmentado se sustentar de maneira bonita e inteligente. (…) Só uma pintura nos fornece, de uma tacada só, um universo de pensamento e sentimento, nos fisgando, no decorrer do tempo, com surtos de prazer complexo”¹.
Cadê o Abre Alas? é uma grande exposição de pinturas pequenas e uma pequena exposição de pinturas grandes. Como no atelier da artista, a mostra também contém uma grande estante com pequenas esculturas de cerâmica esmaltada.
Uma das missões da galeria é promover conversas entre o programa de exposições e a residência que ocupa, projetada por Rino Levi. Com isso em vista, adotamos a expografia que Lina Bo Bardi desenvolveu para o MASP, utilizando versões dos seus cavaletes de vidro na luminosa sala de visitas, flanqueada por jardins de Burle-Marx.
No anexo, organizamos uma retrospectiva de 124 pequenas paisagens, datadas de 2016 até 2024. Para essas, optamos por uma montagem sistemática, em ordem de luminosidade. O objetivo é minimizar subjetividade autoral e gerar combinações impensadas. Face a elas, temos três telas maiores, ambas de 2023. Na sala da casa principal continua a exposição das pequenas, com 18 nos cavaletes de vidro. Quatro telas maiores, também de 2023, flutuam suspensas do outro lado da lareira e numa sala adjacente.
O convívio entre grandes e pequenas pode suscitar a pergunta: qual o efeito do tamanho da tela sobre o resultado? Tamanho é documento? Telas maiores comportam pincéis mais largos, gestos mais expansivos, maior potencial narrativo. Telas menores exigem pincéis mais finos, gestos mais contidos, maior poder de síntese. Você consegue detectar diferenças de temperamento entre as diferentes medidas?
No anexo, as telas grandes de fundo colorido são supernovas, embates pictóricos explosivos onde as manchas de cor convivem com poderosos elementos gráficos. As fileiras de pequenas, sublimes e contidas, se aproximam, em espírito, de iluminuras medievais, ícones bizantinos, miniaturas Mughal; objetos de devoção saturados de sedução. Na casa principal, a seleção de pequenas evidencia a diversidade de seus formatos e temáticas, enquanto as grandes de fundo branco, musculosas e econômicas, lembram aquarelas, evocando a gestualidade dos desenhos da artista.
Gabriela pinta como quem mantém um diário. Uma respiração que, diferente de alguns de seus mais notados colegas de geração, se dá sem qualquer intermediação que sinalize o esgotamento da pintura modernista. Sinalização que, se existe aqui, se dá no plano do resultado e não do processo, do fim e não do meio; se dá no livre trânsito entre a gestualidade que predominava no seu passado e a representação que domina hoje; se dá no convívio da escrita com a imagem. Aqui tudo é pano para a manga pictórica, até as impactantes e fascinantes esculturas. Obras sem esboços ou estudos, de informalidade enganosa, nascidas de uma imaginação fecunda. Obras informadas pelo conhecimento acumulado em uma longa estrada, por uma habilidade desinteressada em exibicionismo. A primazia é sempre da mão; sua pegada sempre é visível.
Pintar por pintar é um impulso que precede Lascaux. Excetuando as abstrações, é preciso algum pretexto, como uma paisagem. A maioria das obras expostas são paisagens, sem artifício, sem intermediação, sem estêncil, sem régua ou linhas retas. Nelas, nada interfere com o momento mágico em que o pincel encosta na tela, como um par de dedos se encontrando no teto de uma capela. O modernismo e suas vanguardas podem ter desencadeado um processo evolutivo na pintura que desembarcou na última estação — o monocromo preto ou branco — mas, para esse ofício, há claramente vida após a extinção. Vida onde pulsões atávicas geram poéticas como essa, que, paradoxalmente, se mantém contemporânea graças à sua atemporalidade.
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¹ Peter Schjeldahl, Village Voice, 13 de fevereiro de 1996. Resenha da exposição Screenery, organizada por Joshua Decter na Friedrich Petzel Gallery, Nova York. Tradução do autor.