Histórias que eu quero contar. Marcelo Campos. 2013.

“Histórias que eu quero contar”, assim Gabriela Machado denomina este vontade conceitual de buscar a pintura, sua companheira diletante, em pequenos relatos, crônicas, por assim dizer. Com isso, vemos três instâncias de observação sobre este engenho: a história, o querer desejante e a vontade narrativa.

Ao observarmos as pinturas, nos confrontamos com assuntos marginais, quase não-narráveis. Fomenta-se, aqui, um volta da história narrativa exercitada como uma compreensão instantânea dos acontecimentos. Pintura de instantes, alguns instantâneos de pintura. Esta possibilidade é captaneada pelo uso de máquinas produtoras de imagens instantâneas, as polaróides. Gabriela Machado acentua o desejo curioso, tátil, infantil, até, de produzir cliques que acompanham-na em viagens pelo mundo. Assim, vemos uma paisagem estrangeira, o detalhe do mobiliário de hotéis, uma cortina, um gato, um por do sol. A artista se concentra no minúsculo, criando um destaque desproporcional, pois não estamos diante de uma história factual, mas, antes, de uma história biográfica não-factual.

Também poderíamos observar um elogio ao uso da narrativa popularizada, os instantâneos de uma vida que só pode ser grandiosa pela soma dos acontecimentos ordinários. Neste “instante” compartilhado resplandece o desejo. Aquele que nos faz seguidores do que não sabemos. Exercita-se um certo delay, um certo intervalo entre a imagem observada, a câmara escura e sua revelação em slow motion, etapas próprias da máquina de polaróide.

O historiador Eric Hobsbawm destaca que numa “história narrativa popular”, “o evento, o indivíduo, não são fins em si mesmos, mas meios de esclarecer alguma questão mais ampla, que ultrapassa em muito o relato particular e seus personagens”. Perde-se o interesse pelo que o historiador chama de “grandes porquês”. Ao mesmo tempo, o fait diver, os acontecimentos noticiosos, próprios do advento da cultura de massa, passam a ganhar protagonismo. Como estamos diante do ordinário, percebemos uma certa negação do compromisso ideológico. Ativa-se a via de todas as imagens, de todas as pessoas, de quaisquer luzes. Tudo é pictórico, tudo é pitoresco. E a imagem é forçosamente pintada, gravada, num quarto momento, numa quarta geração. Depois da visão, do registro fotográfico, da revelação, temos a pintura.

A artista exercita, em contrapartida, uma “leitura íntima”, na associação de formas, blocos, empilhamentos, fato já presente na produção de Gabriela. “Não há nada de novo em preferir olhar o mundo por meio de um microscópio em lugar de um telescópio”, afirmará Hobsbawm. Ao que podemos responder com a constatação de Arthur Danto que afirmara: “perguntar pela significação de um acontecimento no sentido histórico do termo, é perguntar algo que só pode ser respondido no contexto de um relato (story)”. Vemos, então, Gabriela Machado testar, brincar, corromper esta ambivalência, grandes relatos, pequenas escalas, fotos domésticas, acontecimentos relevantes. Aqui subverte-se a noção de que a “autêntica história considera a crônica como um exercício preparatório”. O exercício preparatório é uma finalidade ambiciosa, ainda que sem fins grandiosos. Ativa-se, de outro modo, o sentido de colecionar, acumular, fazer museus de tudo, atlas imagéticos.

Quais são os acontecimentos significativos, nos perguntamos? A narração como ensaio, como crônica, liberta os recursos narrativos para se concentrar numa suposta liberdade de gerar relações significativas por dentro das micro-histórias. E as histórias são aquelas que nos acompanham na vida, como contos prosaicos. Gabriela, em outra medida, assume: “quero contar”, trazendo a imagem para uma relação direta com a pessoalidade. Qualquer coisa, qualquer fato, qualquer vazio torna-se pictórico. E, assim, “a mera crônica” é a “autêntica história”.