Encarnado. Afonso Luz. 2002.

Não seria suficiente dizer do vermelho que vemos ser ele uma cor. O que está diante de nós é como que uma tinta viva, uma ação cromática, uma espécie de desabrochar do vermelho testemunhado pelos nossos olhos. Ali intuímos a mobilidade deste pulso energético que se expande como luz, como chama. Sensual e vivo como fogo e flor. É desta vitalidade de um corpo transitório, de um corpo que é inapreensível em sua duração, que se alimentam os desenhos, quase pinturas, de Gabriela Machado.

Besteira seria não olhá-los em sua singularidade e classificá-los como mais uma exemplo de uma arte oriunda da voga americana de action-painting . Sem dúvida, um momento definitivo na formação de nossa sensibilidade contemporânea. Ocorre que nestes trabalhos de Gabriela a ação é quase residual, sem ter a força instauradora daquelas pinceladas. Se vemos uma dança das mãos a distribuir sobre o plano a cor, ela é animada pelo profundo silêncio deste branco do papel que a acolhe. Há algo de um retraimento original nestas gestualizações, um desdobrar-se sobre si mesmo, uma recusa em se expandir indiferenciadamente sobre todo o espaço que lhe resta.

É deste tenso jogo instaurado entre a cor e o desenho, entre a energia de uma cor que quer se alastrar e a contenção do gesto que evita a sua dissolução, que irrompe a arte destes trabalhos. Neles sentimos algo de nossas vidas a pulsar.

Afonso Luz é crítico de arte. Foi pesquisador em estética e história da arte na USP e trabalhou junto ao Centro Universitário MariaAntônia. Editou revistas como Dicenso, Rapsódia e Número, e colaborou em outras como Novos Estudos CEBRAP, Bravo e CULT. Foi consultor da UNESCO / Programa MONUMENTA para Economia da Cultura e Arte Contemporânea. Atualmente dirige o Programa Cultura e Pensamento e é assessor do Ministério da Cultura para artes visuais e crítica cultural na gestão de Gilberto Gil.